O tabu que a homossexualidade encara na sociedade parece ser
ainda maior no esporte brasileiro. Assumir a preferência por uma relação com
alguém do mesmo sexo é postura para poucos, por uma série de motivos: pela
discussão que o tema provoca ou por medo de algum tipo de prejuízo, como perda
de patrocínio, por exemplo. A capixaba Liliane Maestrini, de 27 anos, é uma das
exceções à lei velada do silêncio que ainda impera no país que almeja ser potência
olímpica.Lili, como é conhecida, tem um relacionamento desde 2010 com Larissa
França, de 33 anos, ambas jogadoras de vôlei de praia. revelado publicamente
apenas em 2013, com direito a cerimônia de casamento, em Fortaleza. Larissa
parou de competir para tentar engravidar, mas perdeu o bebê duas vezes. Apoiada
pela parceira, ela deixou o desejo de ser mãe de lado, voltou ao circuito
mundial e está bem cotada na briga por vaga nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio
de Janeiro.
Sem medo de mostrar o afeto mútuo, Lili e Larissa
compartilham fotos de viagens e momentos do casal nas redes sociais. Justamente
um dos meios em que o preconceito mais se prolifera. A busca dos gays por
direitos iguais e respeito à opção sexual move discussões acaloradas, de quem
defende ou abomina. Um ativismo que, na opinião de Lili, é nocivo para qualquer
lado. “Não tem necessidade de agressão. As pessoas têm de se respeitar da
maneira que são e viver do jeito que acham que vão ser felizes”, opina a
jogadora, que não acha o tema fundamental no esporte.Lili está em Toronto, onde
faz dupla com Carol Horta para o torneio de vôlei de praia dos Jogos
Pan-Americanos, com início nesta segunda-feira – no jogo de estreia, venceram
Machado/Rodríguez, da Nicarágua, sem grandes problemas. Discreta em
entrevistas, ela conversou com a reportagem após o treino do último sábado e se
posicionou sobre o que pensa da homossexualidade e sobre como ajudou
desconhecidos a se assumirem como realmente são.
Assumir-se homossexual é uma coisa rara no Brasil, e no
esporte parece ser um tabu ainda maior. É um assunto que precisa ser discutido
no esporte?
Lili: Para mim é tão natural que não vejo como um assunto a
ser discutido, porque é natural. Toda forma de amor é bonita, é válida. Às
vezes as pessoas mesmo se colocam no preconceito, entendeu? As pessoas têm
preconceito com elas mesmas, não fala do homossexualismo porque tem
preconceitos. Eu, não. Para mim, é tão natural que posso falar à vontade.
Quando comento da Larissa falo que é minha esposa, não tenho problema com isso.
Porque é difícil alguém ter a mesma postura que você e ela
tiveram…
Lili: São pouquíssimos que assumem. Acho que as pessoas às
vezes têm medo das críticas, medo do que os outros podem pensar. Nunca tive
medo disso, nunca me preocupei com o que os outros iam falar, só queria ser
feliz. As primeiras pessoas a saberem foram minha mãe, meu pai, minha família,
que era o mais importante para mim. Se eles sempre me apoiaram, para mim não
fazia diferença o que outras pessoas achariam. Foi até uma surpresa, e muito
legal, que todas as pessoas à minha volta sempre me apoiaram. Sempre. Nunca
aconteceu de alguma pessoa chegar até mim e fazer uma crítica. Nunca me
aconteceu isso. A nossa demonstração, minha e da Larissa, de carinho, de amor e
de respeito é tão grande… A gente coloca foto no Facebook, a gente expõe muito
isso, e as pessoas dão apoio.
Existe, por exemplo, orientações do COI (Comitê Olimpico
Internacional) de não misturar questões políticas com o esporte. Por isso
talvez que não se fala tanto de homossexualidade neste ambiente? Acha ruim essa
restrição?
Lili: Não tem uma pessoa que fala para não comentar, a
própria pessoa se esconde por medo, não sei se é por medo ou por que é. Muita
gente pensa: o que o meu patrocinador vai pensar? Gente… Você vai viver a sua
vida, e quem gostar de você vai estar ao seu lado. Se é sua parceria, seu
técnico, seu amigo, quem gosta de você vai estar do seu lado. Seu patrocinador,
se ele gosta realmente do seu trabalho, vai estar do seu lado, não vai ligar
para o que você faz em sua vida pessoal, a não ser que você fique saindo para a
balada, para beber, para chutar o balde. Não! Você está tendo seu
relacionamento com outra pessoa do mesmo sexo e está simplesmente vivendo
feliz. Entendeu? Eu não tenho em meu círculo de amigos pessoas preconceituosas,
em relação a isso, a raça, a qualquer coisa. O preconceito é indiferente para
mim. Na minha família também. No nosso ciclo de amigos também, a gente não tem
pessoas preconceituosas, graças a Deus, porque fico longe de qualquer tipo de
preconceito.
Você se interessa pela parte política deste assunto?
Lili: Eu acho superlegal, você vê que a pessoa pode se
assumir e ser feliz com isso. Muita gente se esconde, tem medo de falar, então
cada vez que acontecem coisas desse tipo as pessoas ficam mais relaxadas. Deve
ser horrível viver se escondendo do mundo, da sua família. Poxa, não pode falar
nada para a sua mãe, que está ali do seu lado, ter medo do que a mãe vai
pensar… Poxa, deve ser a pior sensação do mundo. Sou assim, sou feliz assim,
então vou falar com a minha família. As pessoas tinham de fazer isso, sabe?
Para mim é uma coisa tão normal. É amor. Simples assim.
Algum ou alguma atleta já procurou você para se aconselhar
depois da revelação de seu relacionamento com Larissa?
Lili: Atleta, não. Mas muita gente. Já tiveram uns cinco
casamentos que me chamaram para ser madrinha, só que eu não pude por causa
dessa correria. E as pessoas falando: poxa, vi a felicidade de vocês e a gente
resolveu fazer também. Teve gente perguntando: pô, como falo com a minha mãe?
No Facebook era assim… E eu respondi todo mundo. É legal você tentar,
independentemente do que seja, tentar ajudar as pessoas, dar um caminho. Se
você pode fazer isso, por quê não? Já recebi mais de 50 mensagens, tanto de homens
quanto de mulheres, perguntando como falei com os meus pais ou como lido em
relação a isso com a sociedade, os meus medos, em relação a tudo. E várias
vezes já ajudei as pessoas e depois elas vieram dizer: falei com a minha mãe,
ela está tranquila comigo e não sei o quê… Eu me senti muito bem com isso.Óbvio
que vão ter casos que a pessoa vai se frustrar porque a família às vezes não
vai apoiar e tudo, mas é questão da comunicação, como vai falar, como vai expor
o que sente. Não adianta você querer dar uma voadora, né… Se você sabe que seu
pai ou sua mãe tem algum tipo de preconceito, tem de ir devagar, explicar o que
você quer, o que você sente. Não acredito que tenha algum pai ou mãe que queira
a infelicidade do filho. Eles vão acabar vendo que se o filho é feliz daquela
maneira é o melhor caminho.
Falta no Brasil alguém que levante essa bandeira no esporte,
talvez um ativista?
Lili: Na verdade, acho que não tem necessidade. Sabe por
quê? Se você fala em ativista é porque esse assunto é incomum, que choca,
entendeu? Para mim não choca. É a mesma coisa de um cara levantar bandeira
hétero. Cada um vive da maneira que quer. Eu não vou forçar uma pessoa a pensar
da mesma maneira do que eu. Nunca! Respeito o pensamento de cada um, e também
quero que respeitem o meu. Entendeu? Se as pessoas se respeitassem mais… A base
de tudo é isso, é o respeito.
Parece que o ativismo deixa as pessoas mais agressivas.
Lili: Justamente, e dos dois lados. Não tem muita
necessidade de ter essa agressão. As pessoas têm simplesmente de se respeitar
da maneira que elas são e viver do jeito que acham que vão ser felizes.
A dupla Larissa/Talita é uma das candidatas a ir aos Jogos
Olímpicos de 2016, no Rio. Você e Carol Horta também estão neste ranking. Como
é essa briga por vaga olímpica dentro de casa?
Lili: Eu torço muito! Ela está numa fase excelente, é uma
pessoa que merece muito estar nessa Olimpíada, voltou depois de um tempo parada
e voltou com toda vontade. É uma pessoa muito boa, de coração, que ajuda todo
mundo, e mais do que ninguém merece estar lá em 2016. Eu não estando lá vou
torcer a cada segundo, vou estar do lado dela apoiando, dando força sempre.
O Pan de Toronto não conta pontos para o ranking mundial. É
de alguma forma um prejuízo na busca pela vaga olímpica em 2016?
Lili: A vaga olímpica ficou mais difícil para a gente com a
vinda para o Pan porque a gente perde dois Grand Slam, mas tenho certeza de que
o Pan vai trazer para a gente uma bagagem gigantesca, é um torneio sensacional.
É responsabilidade grande e a gente sente que as pessoas confiam na gente. A
sensação de estar aqui representando o Brasil é incrível e vamos dar 100%,
jogar com alegria, vibração. A gente é um time novo, mas já tivemos bons
resultados.
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