"Temos uma técnica específica para a coleta das características do suspeito. Se a vítima, ainda estiver muito chocada, É preciso esperar, deixar para outro encontro”, diz Francisco Canindé de Albuquerque
Uma sala com cerca de 9 m² na sede do Instituto Técnico-Científico de Polícia do Rio Grande do Norte (Itep-RN) é o “berço” de um trabalho inovador na área da investigação criminal potiguar: a reprodução facial humana (RFH). A técnica consiste na formação de uma imagem digital para a divulgação daquilo que é popularmente conhecido como “retrato falado” de criminosos e suspeitos.
A reprodução facial é um passo muito além do tradicional retrato falado, feito a mão livre por desenhistas. Apesar de a ideia básica ser a mesma dos desenhos, a ferramenta é diferente. Ao invés de lápis e papel, a RFH, no caso potiguar, utiliza o Photoshop – software para edição de imagens, comercializado pela empresa Adobe.
O novo modelo de criação dos retratos falados, lançado no Rio Grande do Norte este ano, parte de um extenso banco de dados com o qual o profissional monta a reprodução a partir das informações repassadas pela vítima ou testemunha do crime que está sob a investigação da Polícia Civil.
São milhares de modelos de rostos, narizes, bocas, olhos e outros detalhes, com os mais diferentes tons de pele, que compõem o acervo que referenciam a geração das reproduções faciais. E o único profissional que faz as construções de rostos em imagens digitais em terras potiguares é Francisco Canindé de Albuquerque.
Servidor do Itep-RN, ele é membro do setor de papiloscopia e pioneiro no trabalho de RFH no Estado. Pelas suas mãos foram gerados até agora apenas três retratos falados, dentre eles o de um dos suspeitos de estuprar duas mulheres desde julho na área do conjunto San Vale, Zona Sul de Natal. O homem terminou sendo preso na quinta-feira (20), junto com outros dois menores de idade.
“Acredito que a repercussão dessa reprodução sobre o caso do San Vale deve atrair mais a atenção e os delegados vão procurar mais o trabalho de reprodução facial”, comentou Francisco.
Todos os crimes tratados por Francisco Canindé para reprodução de rostos foram relativos a estupros – os outros dois retratos compostos por ele foram de casos ocorridos entre 2013 e 2014 no bairro de Ponta Negra.
De acordo com o especialista, a reprodução das imagens dos suspeitos de terem cometido crimes, principalmente os que envolvem violência sexual, vai além da simples recolhida de informações da vítima.
Um exemplo foi o encontro de Francisco com a segunda vítima dos estupradores do San Vale, que foi violentada no dia 8. O especialista em RFH foi recolher informações da mulher na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) da Zona Sul na terça-feira seguinte, mas não obteve sucesso.
“Temos uma técnica específica para a coleta das características do suspeito. Se a vítima não estiver em condições de relatar, ainda estiver muito chocada, não adianta muito. É preciso esperar, deixar para outro encontro. Normalmente, em outros Estados, esse trabalho é feito junto com alguém da psicologia, mas aqui não temos ainda esse apoio”, comentou.
E mesmo quando as informações fluem de forma mais fácil, Albuquerque explica que ainda é preciso auxiliar as vítimas. Ele vai para as entrevistas com uma espécie de questionário no qual está listada a série de dados necessários para a reprodução facial. Algo como, por exemplo, rosto quadrado ou redondo, cabelo grande ou curto, pele negra ou branca, nariz afilado ou largo.
A partir do informe colhido, ele também passa a apontar as variantes contidas no seu acervo de características faciais. De posse dos dados finais, o perito leva cerca de uma hora para fazer o retrato completo.
“A pessoa fala de uma determinada característica, como lábios finos, por exemplo. Eu então mostro uma primeira opção para ver se ela concorda e depois apresento outras imagens mais próximas, que geralmente ativam melhor a lembrança e formam uma reprodução facial melhor. Faço isso principalmente com olhos, nariz e boca, que são as três peças fundamentais do rosto”, disse Francisco.
Banco de dados potiguar
Francisco Canindé é um dos integrantes do setor de papiloscopia, que faz parte da Coordenadoria de Identificação (Coid) do Instituto Técnico-científico. Assim, ele trata diretamente das identificações da população em geral, de pessoas que são presas e também de corpos (necropapiloscopia). Foi ele que identificou, por exemplo, o corpo do estudante Máximo Augusto Medeiros de Araújo, assassinado no início de maio deste ano.
Ligado diretamente à Coid em seu trabalho rotineiro, Francisco aproveita para incrementar o banco de dados para os retratos falados digitais com as imagens retiradas principalmente dos registros feitos das pessoas detidas que passam pelo Itep para exames de corpo de delito.
As imagens são recortadas – olhos, boca, nariz, etc – e os “modelos” não são identificados. O plano de Albuquerque é montar um banco de dados mais próximo da realidade social potiguar.
Atualmente, boa parte dos dados que ele mantém é vinda do acervo pertencente ao Instituto de Identificação Tavares Buril, de Pernambuco. Foi lá que ele fez o primeiro curso de RFH.
“Precisamos sempre de mais informações para fazer os retratos falados. Principalmente dados que sejam de pessoas que vivem aqui no Rio Grande do Norte, porque fica mais fácil de construir as imagens”, destaca Francisco.
É por conta da necessidade de manter um banco de dados fiel às características da população local que no Brasil utiliza-se basicamente o Photoshop para a composição dos retratos, ao invés de softwares estrangeiros que já vem com informações fechadas e que não possuem os aspectos faciais dos brasileiros. A Polícia Federal possui o seu próprio programa de reprodução facial. Chamado de Horus, o software não é compartilhado pela instituição e é usado principalmente para envelhecimento, como no caso de crianças desaparecidas.
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