A Reforma da Previdência encaminhada por Temer ao Congresso
é um pacotaço de maldades. Atinge diretamente e em primeiro lugar os mais
pobres e vulneráveis.se aprovada como está, os idosos acima de 65 anos que
vivem em estado de extrema pobreza e os cidadãos que possuem alguma
“deficiência física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo” que lhes
incapacite para o mundo do trabalho, e que recebem o Benefício de Proteção
Continuada (BPC), terão o valor do benefício diminuído. Ficará abaixo do 1
salário mínimo, como é hoje.Os trabalhadores rurais, que geralmente começam a
trabalhar mais cedo, terão que se aposentar com idade mínima de 65 anos. Em
estados como Alagoas, esta é a expectativa média de vida para homens. Os
trabalhadores rurais terão também que passar a pagar mensalmente a
contribuição, o que não acontece hoje. Criada pelos governos militares e
aperfeiçoada pela Constituição de 1988, a aposentadoria rural foi, até aqui, o
maior programa social do Brasil. Em um país onde pequenos agricultores ainda
contabilizam seus lucros em sacas de feijão e milho, a contribuição mensal
poderá jogá-los para fora do sistema previdenciário.Uma decadência da previdência
rural poderá afetar diretamente a vida econômica de milhares de municípios
Brasil afora
. Em 3.875 municípios os pagamentos da Previdência Social superam
os repasses do Fundo de Participação de Municípios (FPM). Isto acontece em 31%
dos municípios do Nordeste e em 32% do Sudeste, segundo estudo do IPEA. Em
milhares de cidades pequenas, dia de pagamento da Previdência é dia de compras,
de comércio aberto, de economia girando.O pacote de maldades é amplo, geral e
irrestrito. Pune as mulheres ao equalizar sua idade mínima à dos homens. Elas
que, em uma estrutura social machista como a nossa, fazem dupla e tripla
jornadas trabalhando fora e, no mais das vezes, cuidando da casa e de filhos.Não
se discute que o perfil populacional do Brasil está mudando. Que estamos
envelhecendo. Que algo precisa ser feito. Tudo isso é verdade. Mas mudanças
deste quilate, a meu ver, por afetar a vida de milhões de pessoas, deveriam ser
feitas de forma gradual. Era o que vinha ocorrendo. FHC, Lula e Dilma fizeram
reformas parciais da Previdência Social. O principal argumento governamental,
de que o rombo da Previdência ficou incontrolável, é não apenas discutível,
como deve ser debatido – e não imposto ao público na forma de chantagem.Agora o
que se quer produzir é um cavalo de pau para cima da população brasileira. Como
se a nação se resumisse à equação do mercado financeiro da dívida pública X
PIB, o Produto Interno Bruto. Equação, diga-se, que, no mundo financeirizado em
que vivemos, pode ir para o espaço a um simples aumento de taxa de juros nos
EUA – e o dinheiro dos “investidores” voará como patos rumo ao Norte.
Independentemente de termos feito os maiores sacrifícios e ajustes estruturais.A
reforma da Previdência vai adiante? O Congresso irá dizer. Coisa para 2017. Até
lá muita água vai rolar por debaixo da ponte. Seja como for, ao anunciar o
pacotaço da Previdência neste final de ano, Temer pareceu adotar uma das lições
de Maquiavel, em “O Príncipe”. A de que o governante deve anunciar as maldades
de uma só vez. E as bondades aos poucos. Essas, até aqui, são uma promessa
distante no horizonte.Mais do que isso, Temer recicla uma tradição brasileira
em períodos de grandes transições. A de quem tem mais perde menos (ou nada), e
quem tem menos perde mais (ou tudo). No imediato ficaram de fora as Forças
Armadas. 24 horas depois de anunciada a proposta de reforma, o governo se
“corrigiu” e também tirou do texto da PEC as aposentadorias de policiais
militares e bombeiros nos Estados. Quem quer uma crise nas polícias em tempos
de convulsão social? É possível que, daqui em diante, grupos e corporações –
como a de juízes e procuradores, por exemplo – comecem a dar seus jeitinhos
também, a incluir suas emendas de acordo com mecanismos de pressões e
contrapressões. As recentes invasões do Congresso Nacional e da Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro por grupos de pressão, sem a reação das chamadas
“forças da ordem”, já dão um indicativo do tipo de disputa por recursos se
desenha no horizonte.A Constituição de 1988 parece aos poucos letra morta.
Vige-se uma Nova Constituição, ainda não escrita. Seu artigo 1 bem que poderia
ser: “Quem tem mais, pode mais; quem tem tudo, pode tudo. E ficam revogadas as
disposições em contrário”.
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