quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Pico do Cabugi é ponto de aventura e de peregrinação

Não há dados oficiais sobre o turismo na região do Pico do Cabugi, mas estima-se que 300 pessoas por ano se aventurem pelo Parque Estadual que está hoje em processo de reavaliação da categoria e pode ser tombado monumento natural do RN

Tudo, claro, se o processo iniciado pelo Idema em 2011 e paralisado no ano passado ganhar status de prioridade e a proposta se transformar num projeto de lei. A transformação de parque em monumento natural abre possibilidade para uma série de procedimentos, que tanto permitirá a exploração turística do pico como vai assegurar as garantias de que o espaço vai ser beneficiado com as políticas e programas de preservação.


Para mostrar a situação do pico, a equipe do NOVO decidiu subir até o cume e passar a noite lá. Notou que não eram os únicos a encarar o desafio. Na última reportagem da série Pico do Cabugi, os repórteres contam as histórias de quem arrisca a subida ao topo do único vulcão extinto do Brasil que preserva sua forma natural.


Oração nas alturas

O sol já começara a se pôr quando encontramos o pastor Adailton Honorato na trilha. Aos pés do vulcão extinto, ele e mais dois féis reuniam forças para a última e mais desafiadora parte do percurso. 

“Que Deus continue nos dando forças para essa subida”, clamava enquanto seus seguidores o acompanhavam na oração. Franzino, com suor escorrendo pelo rosto, aos 67 anos Adailton se mostrava firme e disposto. 

Longe de parecerem preocupados com a melhor roupa para a escalada que começaria em seguida, os três usavam sapatos, calças e camisas sociais impecáveis.

Logo fica claro que eles não estão atrás de aventura. A missão deles era uma só: vencer os 590m de subida para orar numa espécie de retiro espiritual nas alturas, prática comum realizada por diversos grupos de evangélicos, segundo Luís, dono do sítio que serve de ponto de apoio. 

Nos despedimos temporariamente deles acreditando que só os encontraríamos no cume. Bobagem. Cerca de quinze minutos depois, quando a escalada começa a ser uma prova de resistência e paciência para evitar pisões em pedras soltas, o pastor e seus dois fiéis não só nos alcançam como nos ultrapassam sem esforço.

Inclusive são eles que nos guiam nos metros finais da trilha, quando a única fonte de iluminação disponível vem das lanternas e é quase impossível ver pouco mais de dois palmos à nossa frente. 

Quando chegamos ao topo, o que parecia uma grande vitória para nossa equipe, era apenas mais uma parte do percurso para os nossos companheiros de subida. O êxtase maior viria mais tarde.

Por enquanto, eles tratavam de se acomodar no lugar mais reservado que encontraram. Longe dos três grupos que acampavam no cume. 

Enquanto Adailton e o fiel Francenildo Silva, 37, acomodavam a pouca bagagem que levaram, o padeiro Roberto Pereira, 41, atendia a ordem do pastor e carregava uns três palmos de lenha acima da cabeça sem deixar transparecer o esgotamento causado pelas duas horas e meia de trilha.


Acomodados e com a fogueira acesa, os três tinham agora a noite livre para o objetivo deles. As primeiras cantorias começam lá pelas 21h. Mesmo de longe, é possível ouvir o repertório apurado de músicas de louvor cantadas com fervor digno intercaladas com silêncio e orações. 

A fé parece ganhar mais força nas alturas. Como se o fato de estar no ponto mais alto das redondezas os deixasse literalmente mais perto de Deus. Pelo menos é o que o padeiro deixa transparecer na manhã seguinte às orações. “Toda vez que subimos até aqui esperamos algo grandioso. Milagres, salvação daqueles que estão perdidos”, afirma Roberto, convicto de que a experiência (que ele repete há cinco anos) trará benefícios incalculáveis para sua vida. 

“Só não venho aqui toda semana porque moro longe”, lamenta o pastor. Ele mora no Rio de Janeiro, mas vem periodicamente ao RN para ministrar o culto em uma igreja do bairro Nova Natal e subir o Pico do Cabugi. “Quando eu chego lá embaixo estou cansado, mas o Senhor me renova e eu subo igual um garoto novo” declara confiante. 


Desafio final

Quando chegamos ao cume, o primeiro impacto depois de se deleitar com a paisagem e gritar de alegria por ter conseguido o feito de estar ali, é encarar o fato de que vamos dormir nas pedras. Sob, sobre e entre elas. Não há como fugir disso. No entanto, um grupo mais afastado parece estar nitidamente mais acomodado e adaptado ao terreno.

Com a escuridão e o risco iminente de quedas, só conseguimos nos aproximar deles quando o dia amanhece. Agora fica fácil saber porque aquele grupo de quase dez pessoas parecia tão bem preparado. Todos são escoteiros.

Estão ali para a missão final do clã pioneiro (grupo que reúne jovens de 18 a 21 anos) do grupo de escoteiros do bairro Candelária, em Natal. Acompanhados do orientador Josemar Alves, 54 anos, dos quais 12 dedicados ao escotismo, a maioria estava ali pela primeira vez e uma opinião era unânime: todos estavam achando a experiência maravilhosa. “Subimos com guia e todo equipamento de segurança. Ainda há um mito muito grande de subir o pico. Talvez por isso que muitos pais não concordaram que seus filhos viessem” afirma Josemar. 

A opinião também é compartilhada por Ricardo Firmino, 22 anos de idade e 10 de escotismo, que, influenciado pelas opiniões de outras pessoas, achou que a subida seria bem pior e perigosa. “Minha primeira experiência está sendo libertadora. A altura e o terreno podem até enganar, deixar você mais apreensivo, mas é uma subida relativamente tranquila, que dá pra curtir” recomenda Ricardo.


Coisa de mulher, sim

É de se contar nos dedos de uma mão o número de mulheres que se aventuraram na subida do pico naquele fim de semana em que topamos a parada. Das quase trinta pessoas que passaram a noite no topo do Pico do Cabugi, elas são minoria.

Duas nos acompanharam do início ao fim do percurso. “Na maioria das vezes esses esportes de aventura só têm homens. Mas, as mulheres estão cada vez mais procurando essas coisas”, avalia Thalita Mara, que aos 29 anos já tem um histórico de dar inveja no quesito aventura. Pratica trilhas e escaladas desde criança, por incentivo do pai. 

“Na cabeça das pessoas, só homem consegue. Acham que isso não é coisa de mulher. Mas, o interessante é que a gente conseguiu. Teve certa dificuldade, mas deu certo. Com certeza, valeu a pena”, encoraja. 

Medos e lendas

Quase tão desafiador quanto a subida, foi armar o acampamento no escuro e com o cansaço. Sorte nossa que um grupo de mais de dez amigos estavam acomodados bem próximos de nós. Compadecidos com nossa clara inexperiência em acampamentos, são eles que nos ajudam não só a montar a barraca, mas nos garantem também uma madrugada agradável em volta da fogueira que eles fizeram.  
“Muitos têm medo de subir aqui, devido aos acidentes que já aconteceram”, avalia Wendell Henrique, 28.  Duas mortes já foram registradas no local. A mais recente, em julho de 2006, vitimou o estudante Vinícius Santana da Silva, na época com 18 anos.

Já para o empresário Marcelo Azevedo, que perdeu as contas de quantas vezes subiu o pico, desde 1997, quando chegou ao cume pela primeira vez, o maior medo dele são as lendas que cercam o local. 

“Há quem diga que uma onça fica escondida por aqui. Outros que escutam vozes e passos à noite”, revela. 

Felizmente, nossa reportagem não se deparou com nada disso. Mas, voltamos para Natal com a certeza de que há ainda muito a ser explorado e preservado neste patrimônio natural. 

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